terça-feira, 30 de agosto de 2011


Poesia criada pela professora Solange Ap. Alves Barbosa
e apresentada na Casa das Rosas.
(publicada no livro "O tempo")

Solange Ap Alves Barbosa - Integrante do Blog

sábado, 27 de agosto de 2011

Chile tem maior protesto desde Pinochet. Jovem é morto pela polícia


Manuel Gutiérrez, um adolescente de 16 anos, morreu na madrugada desta sexta-feira, atingido por um tiro, durante confrontos entre manifestantes e a polícia no segundo dia da greve geral convocada pela maior central sindical chilena contra as políticas neoliberais do governo de Sebastian Piñera. Mais de 600 mil chilenos saíram às ruas na maior manifestação de massa do Chile desde a ditadura de Pinochet.

Mais de 600 mil chilenos e dezenas de organizações sociais se mobilizaram pelas ruas durante os dois dias de greve nacional, organizados pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), na maior manifestação de massa deste país desde os tempos em que Augusto Pinochet governava o Chile pela força. Com isso, ficou demonstrada a forte convicção do movimento social de seguir adiante para reformar o sistema deixado pelo neoliberalismo da ditadura.

O segundo dia de greve, na quinta-feira, iniciou com uma concentração de quatro marchas que confluíram no centro de Santiago. Ali se reuniram cerca de 400 mil pessoas que armaram um verdadeiro carnaval repleto de cartazes e faixas contra as políticas privatizantes em educação, saúde e fundos sociais. Além disso, exigiram mudanças no mundo do trabalho em defesa dos direitos dos trabalhadores. Foram milhares de bandeiras e faixas com slogans contra o governo e insígnias de colégios, universidades e organizações de trabalhadores. Segundo o presidente da CUT, Arturo Martínez, a paralisação e a mobilização popular envolveram 90 cidades do país.

“Saudamos as centenas de milhares de chilenos e chilenas que se mobilizaram em todo país e manifestaram sua vontade e esperança de construir um Chile distinto. Estamos muito contentes. Temos a esperança de que o governo, após essa mobilização, consiga refletir e abrir conversações com o objetivo de buscar uma saída para a atual situação”, disse Martínez.


Junto a ele, estava o rosto mais visível do movimento, Camila Vallejo, presidenta da Confederação de Estudantes do Chile, e Lorena Pizarro, presidenta da Agrupação de Familiares de Presos Desaparecidos, além de outros dirigentes sociais e sindicais, que expressaram as diferentes forças sociais presentes na mobilização.

As crises do capitalismo

(site psol)




As crises do capitalismo

Vídeo animado de uma conferência de David Harvey para a Royal Society for the encouragement of Arts, Manufactures and Commerce (RSA) em Abril de 2010.

Leia também:

  1. Assista ao vídeo sobre reorganização das lutas de resistência dos trabalhadores e sociais
  2. Pela 1ª vez, mundo vê 3 crises ao mesmo tempo
  3. As crises do capital e as lutas que marcam o 18 de maio
  4. PSOL de Atibaia protesta contra o aumento da tarifa
  5. Não é a Grécia. É o capitalismo, estúpido!


“Como mudar o mundo”, novo livro de Hobsbawm

(IHU UNISINOS)



“Como mudar o mundo”, novo livro de Hobsbawm

Após se sentir parte da geração com a qual se extinguiria o marxismo da vida política e intelectual do ocidente, as crises financeiras, a espiral conflitiva do capitalismo e as mudanças na América Latina deram a Eric Hobsbawm, aos 94 anos, a alegria de voltar a Marx. Por Fernando Bogado

Artigo | 24 Agosto, 2011 – 00:12

Eric John Earnest Hobsbawm (Alexandria, 9 de Junho de 1917) é um historiador marxista reconhecido internacionalmente.

Eric John Earnest Hobsbawm (Alexandria, 9 de Junho de 1917) é um historiador marxista reconhecido internacionalmente.

No seu novo livro, que tem o sugestivo título “Como mudar o mundo”, o historiador refuta com sua habitual lucidez as más interpretações, arquiva os preceitos que envelheceram e utiliza as ferramentas oferecidas pelo autor de “O Capital” para entender o mundo no século XXI e fazê-lo um lugar melhor.

Aos 94 anos, depois de publicar suas extraordinárias memórias (Tempos Interessantes), o grande historiador inglês Eric Hobsbawm – que dedicou sua vida à análise e explicação da era moderna, desde a Revolução Francesa até os estertores do século XX – tinha um livro a mais para escrever: Como mudar o mundo. Após se sentir parte da geração com a qual se extinguiria o marxismo da vida política e intelectual do ocidente, as crises financeiras, a espiral conflitiva do capitalismo e as mudanças na América Latina lhe deram a alegria de voltar ao seu querido Marx. No livro, refuta com sua habitual lucidez as más interpretações, arquiva os preceitos que envelheceram e utiliza as ferramentas oferecidas pelo autor de O Capital para entender o mundo no século XXI e fazê-lo um lugar melhor.

Imaginem a cena: Eric Hobsbawm, reconhecido historiador inglês de corte marxista, e George Soros, uma das mentes financeiras mais importantes do mundo, encontram-se para um jantar. Soros, talvez para iniciar a conversa, talvez com o objectivo de continuar alguma outra, pergunta a Hobsbawm sobre a opinião que este tem de Marx. Hobsbawm escolhe dar uma resposta ambígua para evitar o conflito, e respondendo em parte a esse culto à reflexão antes que ao confronto directo que caracteriza seus trabalhos. Soros, ao contrário, é conclusivo: “Há 150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em conta”.

A estória parece quase seguir a estrutura de uma piada (“Soros e Hobsbawm se encontram em um bar…”), mas é o melhor exemplo que o historiador inglês encontra para mostrar, no começo do seu livro, essa ideia que está pairando no ar há tempos: o legado filosófico de Karl Marx (1818-1883) está longe de ter se esgotado e, muito pelo contrário, as publicações especializadas da atualidade, o discurso político quotidiano, a organização social de qualquer país não fazem outra coisa que invocar o seu fantasma para lidar com esse angustiante problema que tomou o nome histórico de “capitalismo”.

No livro, recentemente publicado em castelhano, que leva o sugestivo título Como mudar o mundo, Hobsbawm volta a oferecer seu indiscutível talento para colocar as proposições daquele filósofo alemão que seguem tendo uma vigência definidora para construir o presente.

Repassemos antes a presunção de morte que se pendurou no pescoço de Marx durante o último quartel do século XX: a crise do petróleo de 1973 desencadeou um processo político e económico que organizou o que Hobsbawm qualificou como reductio ad absurdum das tendências da economia de mercado. A situação provocou o surgimento de governos conservadores nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha (com Ronald Reagan e Margaret Thatcher à frente de seus países), ao mesmo tempo que implicou em diversos territórios a implantação de economias de claro corte financeiro, situação que na América Latina trouxe aparelhado o surgimento de governos de fato que impuseram este tipo de organização pela força, suplantando as estratégias de desenvolvimento industrial e substituição das importações por facilidades para os capitais andorinha, a especulação e a desestruturação das organizações sindicais (somados, é claro, às estratégias de repressão dispostas há muito tempo antes dos golpes, como mostra a história nacional).

Aquela série de mudanças culminou com a queda do Muro de Berlim e do bloco soviético em 1989-1991: a URSS não podia resistir muito mais tempo com sua particular versão do marxismo e sua economia planeada. Francis Fukuyama, pensador norte-americano de corte neoliberal, se apropriou de algumas noções da filosofia hegeliana para dar a sentença final acerca desta sucessão de acontecimentos: estávamos diante do “fim da História”, o desaparecimento do mundo organizado em blocos opostos que havia marcado o destino de tudo o que conhecemos desde o final da Segunda Guerra Mundial em diante.

É neste panorama conciliador da economia globalizada e aparente pacificação social que, ao longo da década de 1990, todo o mundo deu por enterrado o pensamento marxista, inclusive, com certas justificativas de índole éticas: o nome de Karl Marx sempre vinha acompanhado de José Estaline, entre muitos outros. Marx não era apenas uma má palavra para um guru económico, mas também para um cidadão das zonas mais pobres da Rússia, que via com prazer a forma como caíam as estátuas de Lenine, Estaline e do próprio Marx.

Quem teria dito então que veríamos uma foto de Sarkozy lendo O Capital e o papa Bento XVI elogiando a capacidade analítica de seu autor?

Entre 2007 e 2009 (2001, para nós), uma série de crises do sistema capitalista financeiro (ou “capitalismo tardio” tal como o identificaram pensadores como Frederic Jameson ou Jürgen Habermas), demonstraram que o que se pensou como o começo de uma era de tranquilidade em termos políticos, sociais e, sobretudo, económicos para depois de 1989, na verdade não era nada disso. O mercado entregue pura e exclusivamente à “mão invisível” de Adam Smith, amparado pela domesticação do Estado, começou a trincar sem necessidade de conflito com outro sistema económico-político.



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APÓS A QUEDA DE TRÍPOLI: O CAMINHO A SEGUIR PARA A REVOLUÇÃO LÍBIA

(site esquerda marxista)


24/08/2011

APÓS A QUEDA DE TRÍPOLI: O CAMINHO A SEGUIR PARA A REVOLUÇÃO LÍBIA

Alan Woods


Khadafi caiu após Alan escrever este artigo. No entanto isso não invalida em nada seu conteúdo que além de explicar o desenrolar dos acontecimentos, aponta uma saída revolucionária para a luta do povo líbio.

O final veio subitamente e sem aviso. No momento da verdade, o regime de Khadafi caiu como um castelo de cartas.

Na noite passada, as ruas de Trípoli estavam cheias de júbilo enquanto as forças rebeldes ocupavam a Praça Verde em Trípoli. Os rebeldes líbios ondeavam bandeiras da oposição e atiravam para o ar festivamente depois de alcançarem a praça central da capital nas primeiras horas da segunda-feira. Anteriormente a imensa praça era reservada para manifestações cuidadosamente orquestradas em homenagem a Moammar Kadafi. Agora, ela explodiu em festa depois que as forças rebeldes chegaram ao centro da capital líbia.


Na sexta-feira as forças da oposição capturaram Zlitan, a cerca de 80 km ao oeste da capital. Trípoli foi cercada em um movimento de pinças, com as pontas de lança dos rebeldes avançando do leste e do oeste para cortar Trípoli do restante da Líbia. A queda de Zawiya foi um golpe mortal, suprimindo o abastecimento de combustíveis da capital. Este foi provavelmente o momento decisivo que minou completamente o moral dos homens de Khadafi. Apenas o colapso completo do moral pode explicar a aparente ausência de resistência nos últimos dias e como foi relativamente fácil a entrada dos rebeldes no centro de Trípoli.

Ainda na manhã de ontem, a administração Khadafi insistia que lutaria até o final. O filho mais velho do Coronel Khadafi, Seif al Islam, em um discurso televisionado, prometeu que nunca hastearia a “bandeira branca” em Trípoli. Em seguida, mostrando claros sinais de desespero, o governo de Moammar Khadafi declarou sua disponibilidade para se engajar em negociações imediatas com os rebeldes. Quando alguém se encontra a ponto de ser derrotado militarmente, costuma pedir negociações imediatas – embora nada haja para negociar.

O próprio Coronel Khadafi anunciou sua boa vontade para negociar diretamente com a liderança do Conselho Nacional de Transição rebelde, disse o porta-voz Moussa Ibrahim. Depois de semanas e meses de arrogantes discursos sobre lutar até a morte nas ruas de Trípoli, isto soa irônico. Ainda mais irônico: parece que o governo pediu a OTAN para convencer as forças rebeldes a deter o ataque a Trípoli, de acordo com um porta-voz na televisão estatal na noite passada.

Em resposta a esta oferta, a liderança do Conselho de Transição apressadamente anunciou que as forças rebeldes deteriam sua ofensiva se o Coronel Khadafi anunciasse sua demissão. Mustapha Abd El Jalil acrescentou que as forças rebeldes dariam ao Coronel Khadafi e aos seus filhos passagem livre para fora do país. Esta é mais uma prova de que a liderança do Conselho de Transição esteve tentando durante todo este tempo costurar um compromisso imoral com o velho regime.

Contudo, estes sentimentos não são compartilhados pelas forças rebeldes que estão lutando há meses para derrubar Khadafi. Ignorando as hesitações de seus “líderes”, elas apertaram sua ofensiva, varrendo para os lados a resistência ineficaz do exército de Khadafi. No oeste de Trípoli, os rebeldes invadiram o depósito da 32a brigada, comandada pelo filho do Coronel Khadafi, Khamis. No final da noite passada, as forças rebeldes tomaram vários subúrbios, hasteando sua bandeira tricolor nos prédios públicos.

Com impressionante velocidade, os rebeldes avançaram direto ao coração da cidade, aparentemente sem maiores resistências por parte das tropas leais ao Coronel Khadafi. Enquanto os rebeldes se movem para a capital, seus defensores simplesmente desaparecem. Em questão de horas, os rebeldes anunciaram que já tinham tomado toda a capital, exceto o bunker onde presumivelmente se encontra Khadafi.


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Correio Internacional: Grande vitória do povo líbio e da revolução árabe

(site PSTU)



Correio Internacional: Grande vitória do povo líbio e da revolução árabe


O povo em armas está destruindo o regime de Kadafi!





• O sanguinário regime de Muamar Kadafi, na Líbia, está desmoronando. O mundo inteiro assiste comovido às imagens de rebeldes armados, acompanhados pela população faminta e sedenta de liberdades democráticas, entrando na capital Trípoli no marco do que seria a ofensiva final de uma guerra civil que já dura mais de cinco meses.

Estas cenas, de homens e mulheres do povo, com armas na mão e agitando bem alto as bandeiras, tomando de assalto Palácio Bab El Aziziya, residência de Kadafi e sede do poder ditatorial, têm tanta força que não podem senão evocar na memória às mais grandiosas vitórias que tem protagonizado nossa classe.

Nas ruas de Trípoli há grande alegria popular. O povo sente-se vitorioso, sente-se livre, sente o poder de suas próprias forças. O ditador, embora se desconheça seu paradeiro, perdeu o controle do país. Aquele que há poucos meses falava de “esmagar os ratos" e de perseguir os rebeldes "palmo a palmo" e "beco a beco" tem agora seu destino mais próximo aos ex-ditadores da Tunísia e Egito.

Nós da LIT-QI saudamos efusivamente estes fatos que constituem, sem dúvida, uma tremenda vitória política e militar do povo líbio e de todo o processo revolucionário que sacode o mundo árabe. Temos que chamar às coisas por seu nome: estamos diante de uma impressionante vitória de um povo que tomou as armas (e seu próprio destino) em suas mãos, empreendendo uma guerra civil para enfrentar a uma ditadura feroz e implacavelmente sanguinária que exerceu o poder absoluto durante 42 anos.

O povo líbio, armado e organizado em Comitês Populares, está liquidando não só a um governo ditatorial, senão a todo um regime opressor com sua principal instituição: as Forças Armadas.

Mas é preciso alertar os perigos que espreitam esta vitória democrática do povo líbio, que têm que a ver com os esforços do imperialismo de derrotar ou desviar o processo revolucionário se valendo do entreguista Conselho Nacional Transitório (CNT), instância burguesa e pró-imperialista que se postula para governar a Líbia pós-Kadafi.

A queda do regime de Kadafi, pela ação direta das massas, é parte e representa um impulso monumental para o conjunto da revolução árabe, um dos pólos centrais, junto a Europa, do processo revolucionário mundial. Da mesma forma em que a luta heróica que livraram as massas na Tunísia e no Egito, quando começou a primavera árabe, abriu o caminho e expandiu o processo revolucionário a toda a região, agora a revolução líbia terá repercussões impactantes no estímulo à revolução aberta no Oriente Médio e no Norte da África.

Na Síria, no Iêmen e inclusive na Tunísia e no Egito essa conquista popular inflama mentes e corações. A vitória do povo líbio é gasolina pura na incendiária situação árabe. As massas árabes e do mundo inteiro observam aos líbios armados destruindo estátuas ou retratos de Kadafi e extraem uma única lição: é possível vencer. A “primavera árabe” caminha rumo a um verão ardente.

A revolução na Líbia soma-se às fantásticas revoluções que se deram no início do processo revolucionário árabe, mas com elementos superiores. Na Líbia, a diferença dos levantes populares na Tunísia ou no Egito, o povo tomou as armas e destruiu às Forças Armadas, principal instituição do Estado burguês e do regime de Kadafi. Agora que elas não existe mais, o que existe são milhares e milhares de homens e mulheres armados e sedentos de mudanças profundas pelo quais arriscaram ou deram suas vidas. E isso é qualitativo desde o ponto de vista da revolução local e regional.



Por uma fatia maior do bolo

(revista carta capital)


Por uma fatia maior do bolo

O Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, prevê que o Brasil passe a investir 7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no financiamento direto da educação pública. Trata-se da mais polêmica meta do plano que deve estabelecer os rumos da educação brasileira nos próximos dez anos. Hoje, o Brasil gasta cerca de 5% do seu PIB no setor.

A discussão em torno da fatia do bolo a ser destinada para o ensino público, – a meta 20 do novo PNE – é o ponto-chave que definirá o sucesso ou o fracasso da proposta. Quando foi sancionado o primeiro plano, em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a destinação dos mesmos 7% do PIB para a área. Se não era natimorto, o antigo PNE nasceu em estado terminal, como classificou em entrevista à Carta na Escola o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Idevaldo Brandão. “Se ele (o plano) sofreu vetos de FHC após a proposta ser aprovada na Câmara, esses vetos poderiam ter sido derrubados por Lula”. Isso não aconteceu, e o Brasil tenta reeditar a meta previamente debatida no decênio anterior.

Especialistas que estiveram envolvidos nas discussões do novo plano, inclusive nas deliberações da Conae (Conferência Nacional de Educação) que compuseram um primeiro – e bem mais ousado – rascunho enviado ao Ministério da Educação (MEC), têm razões para se preocupar. Apesar de conter avanços, como a redução de metas (o antigo tinha mais de 200) e a garantia de que haverá um aumento de 2% nos recursos destinados, o texto, que já deveria estar em vigor, ainda tramita no Congresso, com inúmeras propostas de emendas, e retoma alguns pontos que já deveriam ter sido atingidos no primeiro PNE. Além do mais, para equilibrar o crescente aumento no número de matrículas, seja do ensino básico ou do superior, com uma oferta de qualidade, 7% é pouco.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, organização fundada em 1999, defende ao menos 10% do PIB para o ensino público. O motivo: no atual cenário brasileiro, insistir num valor menor significaria perpetuar a dissociação entre o acesso e a qualidade do ensino. “Nos últimos anos, o Brasil conseguiu expandir o número de matrículas, mas não aumentou os recursos destinados. Se não compensarmos esse subfinanciamento, protelaremos por mais uma década a luta para alcançar padrões mínimos de qualidade”, diz o coordenador geral da campanha, Daniel Cara.

No último dia 17, a campanha divulgou a nota técnica “Por que 7% do PIB para a educação é pouco?”, uma resposta à nota explicativa e à planilha de custos apresentadas pelo MEC referentes ao PNE 2011. A nota justifica as opções do Governo Federal na elaboração do plano; já a planilha quantifica quanto sairá a conta dos investimentos necessários. O coordenador Cara explica que a nota técnica da campanha visa delinear o esforço necessário para que o Brasil cumpra seus deveres em relação à educação estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, principalmente nos termos dos artigos 205 e 206 da Carta, que tratam de princípios de igualdade de condição de acesso, gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, valorização dos profissionais e garantia de padrões de qualidade.

Leia aqui a nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

A principal crítica aos valores apresentados pelo MEC é em relação ao custo-aluno utilizado, que, segundo a campanha, não corresponde à realidade das redes públicas. Para se ter uma ideia, o custo-aluno utilizado pelo ministério para o período de creche (zero a três anos) é de 2.252 reais ao ano. A Campanha, por sua vez, utiliza o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), índice incorporado pelo Conselho Nacional de Educação que mede o necessário para conferir um padrão mínimo de qualidade. Para o mesmo ciclo, o valor CAQi é de 6.450 reais.

Nos demais ciclos, os valores utilizados pelo MEC se aproximam, e às vezes passam, do CAQi. A discrepância volta a ser observada na Educação Superior a Distância, quando o ministério trabalha com pouco mais de 3mil reais por aluno-ano e a campanha, com 6,2 mil.

Refazendo os cálculos com base nos valores de qualidade inicial, além de considerar as necessidades de valorização do trabalho do professor e a universalização do acesso, a campanha argumenta que serão necessários mais 5,403% do PIB.

Alcançar padrões mínimos de qualidade no decênio 2011-2020 permitiria ao Brasil, diz Cara, perseguir as metas dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento das Nações Unidas (OCDE) – grupo de nações com os melhores desempenhos no globo no campo da educação – no PNE seguinte (2021-2030). Os índices custo aluno ano praticados por estes países são superiores, em todos os ciclos, ao CAQi e aos valores do MEC. Enquanto para o as séries iniciais do ensino fundamental o ministério diz trabalhar com 2,6 mil reais por estudante, os membros da OCDE trabalham com 4,1 mil reais.

“Investir mais agora adiantaria em 20 anos o que, neste ritmo, ocorrerá em 40”, defende o coordenador.

Financiamento
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, diz ser possível chegar à destinação de 10% do PIB para a educação. O investimento é necessário, afirma, não apenas para atingir os níveis de qualidade de ensino, mas para conseguir universalizar o acesso. Dados do IBGE de 2010 mostram que ainda há 3,6 milhões de crianças e jovens entre quatro e 17 anos fora dos bancos escolares.

Para equalizar a conta, Pochmann aponta alguns caminhos. Primeiro, reduzir o abatimento de tributos de instituições privadas de ensino, que impedem a arrecadação de 5 bilhões de reais que poderiam ser investidos na educação pública. Além do mais, a carga de impostos precisaria ser revista, com a taxação de grandes fortunas.

O presidente do Ipea destaca que a ampliação dos investimentos é fundamental para que o Brasil supere um ensino público disfuncional. “Hoje temos 14% dos jovens no Ensino Superior. Os países desenvolvidos trabalham com margens muito maiores, em alguns casos de 70%”.

Por uma fatia maior do bolo

(revista carta capital)


Por uma fatia maior do bolo

O Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, prevê que o Brasil passe a investir 7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no financiamento direto da educação pública. Trata-se da mais polêmica meta do plano que deve estabelecer os rumos da educação brasileira nos próximos dez anos. Hoje, o Brasil gasta cerca de 5% do seu PIB no setor.

A discussão em torno da fatia do bolo a ser destinada para o ensino público, – a meta 20 do novo PNE – é o ponto-chave que definirá o sucesso ou o fracasso da proposta. Quando foi sancionado o primeiro plano, em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a destinação dos mesmos 7% do PIB para a área. Se não era natimorto, o antigo PNE nasceu em estado terminal, como classificou em entrevista à Carta na Escola o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Idevaldo Brandão. “Se ele (o plano) sofreu vetos de FHC após a proposta ser aprovada na Câmara, esses vetos poderiam ter sido derrubados por Lula”. Isso não aconteceu, e o Brasil tenta reeditar a meta previamente debatida no decênio anterior.

Especialistas que estiveram envolvidos nas discussões do novo plano, inclusive nas deliberações da Conae (Conferência Nacional de Educação) que compuseram um primeiro – e bem mais ousado – rascunho enviado ao Ministério da Educação (MEC), têm razões para se preocupar. Apesar de conter avanços, como a redução de metas (o antigo tinha mais de 200) e a garantia de que haverá um aumento de 2% nos recursos destinados, o texto, que já deveria estar em vigor, ainda tramita no Congresso, com inúmeras propostas de emendas, e retoma alguns pontos que já deveriam ter sido atingidos no primeiro PNE. Além do mais, para equilibrar o crescente aumento no número de matrículas, seja do ensino básico ou do superior, com uma oferta de qualidade, 7% é pouco.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, organização fundada em 1999, defende ao menos 10% do PIB para o ensino público. O motivo: no atual cenário brasileiro, insistir num valor menor significaria perpetuar a dissociação entre o acesso e a qualidade do ensino. “Nos últimos anos, o Brasil conseguiu expandir o número de matrículas, mas não aumentou os recursos destinados. Se não compensarmos esse subfinanciamento, protelaremos por mais uma década a luta para alcançar padrões mínimos de qualidade”, diz o coordenador geral da campanha, Daniel Cara.

No último dia 17, a campanha divulgou a nota técnica “Por que 7% do PIB para a educação é pouco?”, uma resposta à nota explicativa e à planilha de custos apresentadas pelo MEC referentes ao PNE 2011. A nota justifica as opções do Governo Federal na elaboração do plano; já a planilha quantifica quanto sairá a conta dos investimentos necessários. O coordenador Cara explica que a nota técnica da campanha visa delinear o esforço necessário para que o Brasil cumpra seus deveres em relação à educação estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, principalmente nos termos dos artigos 205 e 206 da Carta, que tratam de princípios de igualdade de condição de acesso, gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, valorização dos profissionais e garantia de padrões de qualidade.

Leia aqui a nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

A principal crítica aos valores apresentados pelo MEC é em relação ao custo-aluno utilizado, que, segundo a campanha, não corresponde à realidade das redes públicas. Para se ter uma ideia, o custo-aluno utilizado pelo ministério para o período de creche (zero a três anos) é de 2.252 reais ao ano. A Campanha, por sua vez, utiliza o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), índice incorporado pelo Conselho Nacional de Educação que mede o necessário para conferir um padrão mínimo de qualidade. Para o mesmo ciclo, o valor CAQi é de 6.450 reais.

Nos demais ciclos, os valores utilizados pelo MEC se aproximam, e às vezes passam, do CAQi. A discrepância volta a ser observada na Educação Superior a Distância, quando o ministério trabalha com pouco mais de 3mil reais por aluno-ano e a campanha, com 6,2 mil.

Refazendo os cálculos com base nos valores de qualidade inicial, além de considerar as necessidades de valorização do trabalho do professor e a universalização do acesso, a campanha argumenta que serão necessários mais 5,403% do PIB.

Alcançar padrões mínimos de qualidade no decênio 2011-2020 permitiria ao Brasil, diz Cara, perseguir as metas dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento das Nações Unidas (OCDE) – grupo de nações com os melhores desempenhos no globo no campo da educação – no PNE seguinte (2021-2030). Os índices custo aluno ano praticados por estes países são superiores, em todos os ciclos, ao CAQi e aos valores do MEC. Enquanto para o as séries iniciais do ensino fundamental o ministério diz trabalhar com 2,6 mil reais por estudante, os membros da OCDE trabalham com 4,1 mil reais.

“Investir mais agora adiantaria em 20 anos o que, neste ritmo, ocorrerá em 40”, defende o coordenador.

Financiamento
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, diz ser possível chegar à destinação de 10% do PIB para a educação. O investimento é necessário, afirma, não apenas para atingir os níveis de qualidade de ensino, mas para conseguir universalizar o acesso. Dados do IBGE de 2010 mostram que ainda há 3,6 milhões de crianças e jovens entre quatro e 17 anos fora dos bancos escolares.

Para equalizar a conta, Pochmann aponta alguns caminhos. Primeiro, reduzir o abatimento de tributos de instituições privadas de ensino, que impedem a arrecadação de 5 bilhões de reais que poderiam ser investidos na educação pública. Além do mais, a carga de impostos precisaria ser revista, com a taxação de grandes fortunas.

O presidente do Ipea destaca que a ampliação dos investimentos é fundamental para que o Brasil supere um ensino público disfuncional. “Hoje temos 14% dos jovens no Ensino Superior. Os países desenvolvidos trabalham com margens muito maiores, em alguns casos de 70%”.

Flagman - O novo herói do Egito

(revista caros amigos)


25/08/2011

Flagman - O novo herói do Egito

Por Aldo Sauda
Especial para Caros Amigos

Cairo (Egito) – Parecia a celebração de uma vitória em final de Copa do Mundo. O povo, jubilante nas ruas, acenava as suas bandeiras enquanto os carros que passavam buzinavam em ritmo de euforia. Enquanto fogos de artificio eram disparados a um ritmo impressionante, egípcios de diferentes correntes e concepções politico-ideológicas se abraçavam em frente a embaixada israelense gritando emocionados “povo egípcio, erga a sua cabeça”.

Para quem não estava acompanhando as mobilizações que desde sexta-feira a tarde tomaram as ruas em frente a embaixada de Israel, a cena parecia inteiramente esquizofrênica. Quinta-feira à noite, algumas horas antes do inicio de uma mobilização que se originou de forma quase que inteiramente espontânea, o exército israelense havia acabado de matar pelo menos 6 palestinos em Gaza. Além dos palestinos, somava-se, em um dos incidentes mais graves desde a assinatura do acordo de Paz de 1979 entre Israel e Egito, a morte de cinco policiais e um oficial do exército, todos egípcios. As mortes enfureceram a cidade do Cairo.

O ataque, segundo Tel Aviv, foi uma suposta resposta a uma ação de milicianos islâmicos que haviam acabado de atacar um ônibus, majoritariamente transportando soldados israelenses, de uma linha que circula entre as bases militares do sul do país e o balneário de Elat. O ataque, o primeiro de outras duas ações coordenadas, atingiu, além do ônibus, veículos civis e militares. O incidente gerou a morte de 8 pessoas, entre elas um oficial do exercito de Israel e um atirador de elite da polícia. Além dos israelenses, sete milicianos árabes envolvidos na operação também foram mortos pelo exército de Israel.

Logo após os confrontos com os guerrilheiros, Israel, em uma ação até agora bastante nebulosa, atacou seguidamente as forças armadas do Egito. Segundo os observadores da ONU na fronteira, o Estado sionista realizou uma operação militar que envolveu uma aparente invasão do território egípcio e um provável bombardeio que resultou na morte dos seis árabes. A ação, segundo Israel, teve como objetivo prender os milicianos que haviam atacado o estado israelense e se escondido no Senai. Além do ataque ao Egito, Israel também bombardeou Gaza pela parte da noite, gerando ainda mais mortes e destruição na empobrecida faixa de terra.

Além da humilhante incursão em território egípcio, o governo do Cairo foi acusado por Ehud Barak, atual ministro da defesa de Israel, de ser incapaz de controlar a península, exigindo assim uma ação mais energética por parte dos israelenses. A acusação de Barak não deixa de ter um certo fundo de verdade. Há meses a imprensa egípcia vem noticiando com frequência a perda, por parte do governo, do controle da situação na península. Radicais islâmicos que se opõem a junta militar tem realizado uma série de ataques a polícia egípcia no Senai, gerando a morte de diversos soldados e policiais.

O Senai, que antes do inicio do processo revolucionário de 25 de janeiro já era uma região tensa devido a delicada correlação de forcas entre islamistas, tribos beduínas e o governo, após a queda de Mubarak tornou-se o principal foco de ação dos extremistas islâmicos no país. No dia 29 de júlio, mais de 100 homens armados em motocicletas, hasteando bandeiras islâmicas, realizaram um ataque coordenado a uma delegacia policial em Arish, principal cidade do norte da península. O ataque gerou a morte de 6 pessoas, incluindo o delegado de plantão.

As tentativas de se reassumir o controle da região pelo governo central do Cairo, que por enquanto não tem dado muitos resultados positivos, vem ocorrendo em estrita parceria com Israel. O acordo de paz entre ambos os países estipula um número máximo de militares na região, fazendo com que os egípcios tenham de pedir licença a Tel Aviv para reforçar a segurança na península. O poder de veto israelense sobre operações do governo egípcio em seu próprio território, garantidos pelo acordo de Paz de Camp David, é um dos muitos elementos que tem, cada vez mais, sido questionado pelo povo.

Em busca do inimigo externo

O ataque por parte de Israel, segundo diversos analistas, teve enquanto objetivo central distrair a sua população dos crescentes problemas domésticos que o governo vem enfrentando. Desde o começo do verão, Israel tem passado por diversas mobilizações populares, centradas nos problemas de moradia e constante aumento do custo de vida. Históricamente, quando os temas sociais superam a questão da segurança doméstica e assumem a pauta central do cenário politico israelense, a direita sempre acaba perdendo as eleições para o campo politico mais à esquerda.

A juventude, que tem se mobilizado em Israel de forma abertamente inspirada nos eventos que ocorreram na praça Tahirr no começo do ano, chegou a mobilizar mais de 300 mil pessoas em um país de apenas 7 milhões de habitantes. O movimento, que apesar de evitar o tema da ocupação israelense em terras palestinas, tem, mesmo que de forma débil, feito algumas criticas ao orçamento militar israelense e a política de estado de incentivo aos assentamentos.

Os conflitos no sul de Israel na quinta-feira, porém, parece ter, pelo menos por enquanto, derrotado o movimento. O último ato, marcado para o sábado após os ataques, contou com a presença de apenas mil pessoas. No momento em que grupos de militantes de esquerda começaram a chamar palavras de ordem contra a ocupação israelense, os mesmos foram acusados de 'traidores' por outros manifestantes.

Se as ações militares de Israel distencionaram a luta de classes interna no pais, elas transferiram quase que inteiramente o problema para a junta militar egípcia, que agora começa a ter que lidar com aquilo que pode ser a fase anti-imperialista do processo revolucionário que ocorre no Egito.

O retorno às ruas

Assim que os eventos de quinta-feira se esclareceram para o público, pequenos grupos de egípcios começaram a protestar contra a presença da embaixada israelense em seu país. A mobilização originalmente não contou com os principais grupos e movimentos políticos nacionais. Elas temiam que devido ao jejum que ocorre durante todo o mês de Ramadã, qualquer tentativa de construir movimentos de massas seria fracassado, pois o cansaço físico iria se impor sobre os manifestantes. Ledo engano.

Por volta da uma da tarde da sexta feira, um pequeno agrupamento de 100 pessoas iniciava uma longa e intensa manifestação contra o Estado de Israel. Inicialmente composta por jovens islamistas, a rotatividade dos grupos que se faziam presente no ato durante a parte do dia revelava o caráter plural da juventude, que ao lado dos operários, derrubou o regime de Hosni Mubarak no dia 11 de fevereiro.

Os jovens, enfurecidos pelo ataque israelense, atiravam seus corpos repetidamente contra a barreira de metal de dois metros de altura que separava a embaixada da rua. Por mais de 5 horas, jovens de todas as ideologias politicas, dos liberais aos islamistas, passando por socialistas revolucionários e nacionalistas árabes, chutavam, socavam e se jogavam contra a parede.

A mera ideia de se realizar uma manifestação na frente da embaixada durante os anos Mubarak era inteiramente inimaginável. Após a revolução, porém, tudo mudou. No dia 15 de maio, quando dezenas de milhares de egípcios demonstraram a sua solidariedade à causa palestina em um ato duramente reprimido pela junta (que resultou em mais de 300 feridos e 180 presos), o governo decidiu adotar novas medidas de segurança, inclusive a construção do muro de metal, e outro menor, de concreto, para proteger o prédio.

Mesmo com uma pequena quantidade de manifestantes, a energia expressa pela juventude, além do barulho ensurdecedor emitido pelos choques com a barreira de metal, eram impressionantes. Algumas horas depois do inicio do protesto, o muro havia finalmente sido derrubado.

Atrás dele, além de outro muro de concreto, fileiras de soldados do exercito garantiam a segurança da embaixada. A presença dos militares, e não da odiada polícia egípcia, indicava uma possível mudança no comportamento das autoridades em relação a esta especifica manifestação. Durante os conflitos do último ato pró-Palestina, a polícia dispersou os manifestantes com rajadas de fuzil.

Com o por do sol e o fim do jejum do Ramadã, centenas de pessoas de todas as idades começaram a chegar a porta da embaixada, exigindo a expulsão do embaixador. Após avançar sobre a barreira de ferro, os manifestantes começaram a derrubar a segunda barreira de concreto. Foi ai que os militares começaram a se movimentar. Enquanto a segunda barreira era derrubada, dois tanques do exercito se dirigiram até os manifestantes. Sob o grito “vão ao Senai, vão ao Senai”, os manifestantes cercaram os tanques indicando claramente a disposição dos jovens para o confronto. Após alguns minutos de tensão, os tanques recuaram.

Mesmo depois da retirada dos veículos, o general Hamdy Badeen, integrante da junta que governa o pais, foi tentar acalmar a população. Assim como feito com os tanques, os jovens também cercaram o general, porém, foram muito mais diretos com o mesmo. “Você mandou os soldados nos expulsarem da Tahrir e mandou provocadores nos enfrentar na porta do tribunal de Mubarak” gritavam os manifestantes. Protegido por oficiais do exército, Badeen teve de ser rapidamente escoltado para longe da embaixada.

Uma vez derrubada a segunda barreira, os manifestantes egípcios ficam cara a cara com o prédio, separados unicamente por um cordão de soldados do exercito. Dirigindo palavras de ordem aos mesmos, após os soldados ficarem claramente tencionados eles foram rapidamente substituídos por oficiais do exército. Estes, inevitavelmente menos suscetíveis a pressão popular, se mantiveram firme na defesa de Israel.

A manifestação, que na noite de sexta-feira culminou em mais de 1.500 pessoas, acabou por não ser reprimida pela policia. O apoio a expulsão do embaixador, pauta central do movimento, possui o apoio de “99% dos egípcios”, afirmou o militante Mustafa Ismat, de 29 anos. “Conseguimos, novamente, construir unidade no movimento”, algo que segundo Mustafa não ocorria desde as manifestações na praça Tahrir.

O fortalecimento da pauta anti-imperialista no processo revolucionário é uma péssima notícia para a junta militar. A própria incapacidade dos militares de responderem minimamente a demanda do movimento indica o potencial de desgaste que tal tema pode gerar ao governo.

Logo após o incidente na fronteira, a imprensa oficial egípcia anunciou a retirada do seu embaixador de Tel Aviv, porém, no dia seguinte, a notícia foi negada pela chancelaria egípcia. Segundo diversos manifestantes, tal fato se deve a pressão exercida por Washington sobre o governo do General Tantawi.

Na noite seguinte, o que havia se iniciado como uma manifestação de 200 pessoas, tornou-se um ato público reunindo mais de 25.000 manifestantes. Contando com a presença das principais organizações políticas do país, os manifestantes iniciaram uma longa e bem humorada campanha para arrancar a bandeira israelense do topo do prédio.

O instrumento favorito para atacar a bandeira, fogos de artificio de diversos tipos, eram disparados sem parar em direção a embaixada. Enquanto alguns alvejavam a bandeira especificamente hasteada no topo do prédio, outras dezenas de bandeiras israelenses eram incendiadas ao longo da noite. Mesmo assim, o objetivo principal parecia quase impossível de ser atingido. Dada a dificuldade de se destruir a bandeira com os fogos de artificio, surgiu-se a ideia de tentar arranca-la com uma enorme pipa. Após algumas tentativas frustradas, a falta de vento acabou por suspender a nova tática.

latuffegitoFoi ai que um novo herói surgiu no cenário politico egípcio: Ahmed Shahat, de apenas 22 anos. Aproveitando-se da troca de guarda dos soldados que protegiam a embaixada, Shahat secretamente furou o bloqueio, e assim que estava ao lado do mais odiado prédio de Cairo, iniciou uma impressionante escalada até o topo da embaixada israelense.

Empurrado pelas massas, que de forma ensandecida gritavam em seu apoio, Shahat escalou os 13 andares do prédio, arrancou a bandeira israelense, e hastiou a egípcia em seu lugar. O povo, incrédulo com a escalada de seu novo herói, recebeu-lhe com tanta euforia que o mesmo teve de ser hospitalizado logo após sua escalda épica. A vitória acordou toda a cidade, que às duas da manhã, festejava como se o Egito houvesse finalmente expulso o odiado embaixador.

Batizado de Flagmen, o novo heroí do Egito logo virou sensação no twitter, rapidamente entrando no topo dos trending topics.

Por mais que a retirada da bandeira israelense tenha sido uma vitória essencialmente simbólica, ela testemunha, não só a vida do processo revolucionário de 25 de janeiro, como também o seu caráter necessariamente anti-imperialista. Um Egito verdadeiramente democrático, é, por excelência, um Egito pró-Palestina.

Caso a relação entre Israel e Egito não se transforme no futuro próximo, a junta corre um risco de comprar uma briga potencialmente invencível. O presente tencionamento não se dá mais com setores específicos da população, como vinha acontecendo desde a queda de Mubarak, mas com o todo da sociedade egípcia. No Cairo, o anti-imperialismo esta mais vivo do que nunca.

Aldo Cordeiro Saúda é formado em Relações Internacionais e faz pesquisa no Egito.

Entrevista: José Paulo Netto

(revista caros amigos)


Entrevista: José Paulo Netto

"Impera na esquerda ‘reciclada’ um cinismo assombroso"

O professor de serviço social e pensador marxista explica a história da esquerda no Brasil e seus desdobramentos no momento atual em entrevista especial para o site da Caros Amigos, em razão do lançamento da edição especial "Dilemas e Desafios da Esquerda Brasileira". Confira.

Por Tatiana Merlino

Caros Amigos - Quando se poderia afirmar que surgiu uma esquerda no Brasil?

Sem pretender rigor cronológico, diria que se pode falar em uma proto-história da esquerda brasileira a partir da última década do século 19 e nos primeiros anos do século 20. Pense-se, para ficarmos em exemplos conhecidos, nos nomes de Silvério Fontes, em parte da atividade de Euclides da Cunha e mesmo nas posições de Lima Barreto. Mas, com rigor, penso que a história da nossa esquerda tem mesmo o seu momento fundacional com a atividade dos grupos anarquistas, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, no período imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial. Julgo correta a afirmação de que os anarquistas inauguraram a história da esquerda no Brasil.

Caros Amigos - Qual foi a influência da imigração europeia na consolidação de uma ideologia de esquerda no Brasil?

Esta influência foi absolutamente fundamental – não por acaso, mencionei, acima, que os anarquistas inauguraram a história da esquerda em nosso país. E sabemos do papel dos imigrantes neste processo (aliás, a oligarquia percebeu-o claramente: recorde-se a “lei celerada”, de 1907). Mas é necessário enfatizar que não se tratou de nenhuma transplantação artificial: a incipiente industrialização criava as condições para que as ideias difundidas pelas lideranças anarquistas penetrassem com força no nascente movimento operário. A greve de 1917, em São Paulo, mostra-o suficientemente.

Caros Amigos - Que ideias os imigrantes trouxeram?

Não cabe aqui, suponho, sumariar o ideário anarquista (que, diga-se de passagem, chega-nos como um caldo de cultura bastante heterogêneo). A mim, parece-me que o mais significativo pode ser resumido em dois pontos elementares: a defesa da dignidade do trabalho e do trabalhador e a definição claríssima das linhas básicas do antagonismo entre os interesses dos trabalhadores e os da oligarquia. Num país onde a herança do escravismo, ademais de pesadíssima, estava muito viva, a simples afirmação dos direitos civis e políticos do trabalhador “livre” já era, em si, revolucionária. Quanto à determinação das lutas de classes, o princípio da autonomia política dos trabalhadores (mesmo que, para os anarquistas, isto significasse uma recusa da intervenção política institucional, o que se demonstrou insustentável), no Brasil nós o devemos aos anarquistas.

Caros Amigos - Quais eram as correntes que atuaram no país no começo do século 20? Como era tal atuação?

À mobilização anarquista, a oligarquia respondeu imediatamente (para além da repressão) com o estímulo ao sindicalismo “amarelo”, explicitamente bancado pelo governo federal (pense-se, por exemplo, no esforço de Mário Hermes da Fonseca, filho do Presidente da República, para a criação do “peleguismo” no IV Congresso Operário, realizado no Rio de Janeiro). No período que sucede imediatamente à Primeira Guerra Mundial, o movimento operário tem a sua dinâmica fundada no confronto entre estas duas tendências. E suas formas de intervenção eram, é óbvio, inteiramente diversas: os anarquistas jogavam forte na criação de condições ideológicas constitutivas da consciência classista (sua ênfase na educação e na imprensa independente são seus traços característicos) e apostavam na ação direta; os “amarelos” incorporavam a ideologia da colaboração de classes e se subordinavam às diretrizes legal-institucionais da oligarquia.

Caros Amigos - Como foi o processo que resultou na criação do PCB? Quais foram as forças que o formaram?

Se não estou em erro, diria que o PCB (fundado em março de 1922) resulta da confluência de dois vetores: o exaurimento do poder de atração do anarquismo entre os trabalhadores e o impacto da Revolução de Outubro. A greve de 1917, que pôs a correr, em São Paulo, as autoridades e deixou a capital nas mãos dos trabalhadores – ponto mais alto da intervenção anarquista em nosso país –, também deixou a nu a incapacidade do anarquismo para tratar a questão do poder. O impacto da Revolução Russa conferiu grande prestígio (o que, aliás, foi um fenômeno mundial) ao comunismo, num primeiro momento inclusive entre os anarquistas. Evidentemente, não se esgotam nestes dois vetores as bases para o surgimento do PCB – para compreendê-lo, é necessário observar as mudanças societais que estavam em curso, mesmo larvares, no país, que alteravam claramente a estrutura de classes e as práticas políticas (pense-se, aqui, no que o “tenentismo” sinalizava) e atingiam inclusive as expressões estéticas (não é casual, ainda que expressando posições de classe muito diversas, que o PCB seja coetâneo ao Modernismo). Importa observar que o surgimento do Partido Comunista no Brasil, à diferença do ocorrido em muitos outros países, inclusive da América Latina, não se beneficiou da existência do que podemos designar como “cultura socialista”: aqui, o peso do anarquismo na fundação do PCB (lembre-se que o nome mais conhecido dentre os fundadores era o de Astrogildo Pereira, que provinha do anarquismo) foi hipertrofiado precisamente pela ausência de qualquer outro componente significativo de esquerda – não é por acaso que, no PCB, manifestam-se precocemente divergências de monta (por exemplo, já em 1927-1928).

Caros Amigos - Como se desenvolveu a esquerda durante o Estado Novo, o que ela enfrentou, como atuou?

O Estado Novo se ergue após uma séria derrota da principal força de esquerda operante no país a partir do segundo terço da década de 1930 – refiro-me ao PCB que, após a ilegalização da Aliança Nacional Libertadora (que, de fato, era uma frente que incluía outras forças além do PCB), lidera a tentativa de tomada do poder em novembro de 1935. Durante os anos de 1938 a 1943, período em que o Estado Novo se manteve em face de uma oposição imobilizada pela repressão (mas não só), a intervenção da esquerda foi praticamente nula. O próprio PCB (que, à época, assistiu ao surgimento de outras frações comunistas, como, por exemplo, aquela animada por Hermínio Sacchetta) praticamente desaparece como organização entre os finais dos anos 1930 e a realização da célebre “Conferência da Mantiqueira” (1943). É somente a partir de 1943 – e não se subestime nisto a viragem que ocorre no decurso da guerra, especialmente após a vitória soviética em Stalingrado – que se pode falar de uma retomada da intervenção da esquerda, inclusive com o surgimento de uma esquerda não-marxista.

Caros Amigos - E durante o intervalo democrático entre 45 e 64?

Penso que devemos ter alguma cautela ao mencionar o período 1945-1964 como um “intervalo democrático” – não nos esqueçamos que o Governo Dutra foi emblemático da Guerra Fria que nascia com o seu zoológico anticomunismo: foi, dos governos “constitucionais”, um dos mais, senão o mais, antidemocrático que tivemos. A repressão que então se abateu sobre o movimento operário-sindical responde, em grande medida, pela interrupção do crescimento da esquerda, visível em 1945-1946. Mas esta repressão não impediu a intervenção significativa da esquerda, seja no próprio período Dutra (evoque-se o papel do Partido Comunista na luta rural de Porecatu, no Paraná), seja na abertura dos anos 1950, em especial no movimento operário-sindical, quando os comunistas estabelecem, de fato, uma aliança com setores do Partido Trabalhista Brasileiro (o PTB de Vargas).

A meu juízo, é na segunda metade da década de 1950 – mais precisamente, após o suicídio de Vargas e a intentona golpista de 1955 – que podemos registrar um efetivo crescimento da esquerda no país. No período posterior a 1955, são constituintes deste crescimento dois fenômenos: a crise e a recuperação do PCB e o surgimento de forças de esquerda independentemente da influência do PCB. Conhece-se a crise do PCB na imediata sequência do XX Congresso do PCUS (fevereiro de 1956): a chamada “denúncia do culto à personalidade” de Stalin leva o PCB, desde 1945 fortemente stalinizado, a uma crise que põe o partido no fundo do poço. Somente em 1958, mediante uma “nova política” (cuja formulação inicial está na discutida “Declaração de Março”), o partido dos comunistas ganha um novo fôlego, que lhe permitirá ser uma referência nos anos seguintes (apesar da fratura que sobrevém em 1962 e que dá origem ao PC do B).

Mas é também no fim dos anos 1950 que surgem núcleos de esquerda, marxistas e revolucionários, que não carregam a hipoteca do stalinismo que marcara o PCB. Este movimento, que se tornará inteiramente visível na entrada dos anos 1960 e que enriquece a esquerda, não expressa tão somente a dinâmica da sociedade brasileira, mas também sinaliza giros ocorrentes em outras experiências políticas (ademais da Revolução Chinesa, incide aqui, poderosamente, o influxo das lutas de libertação nacional em todo o à época denominado Terceiro Mundo e, particularmente nos anos seguintes, da Revolução Cubana). Creio que é preciso estudar com mais cuidado estes anos férteis para a esquerda brasileira, quando o PCB perde o monopólio do marxismo entre nós – e o marxismo se espraia para muito além das fronteiras do PCB.

A transição dos anos 1950 aos 1960 é de crescimento (inclusive orgânico-partidário) da esquerda brasileira – e isto vale, a meu juízo, tanto para o PCB como as outras frações emergentes fora do circuito da tradição marxista. Penso na constituição de setores socialistas em partidos inteiramente alheios a esta tradição (basicamente no PTB) e no aparecimento de segmentos socialistas laicos vinculados a diferentes igrejas, embora com visibilidade maior para os de extração católica (em função, inclusive, do ponderável redirecionamento da Igreja a partir do papado de João XXIII). É mais ou menos claro que este crescimento da esquerda (e, em todas estas respostas, estou designando por “esquerda” um leque muito amplo e heterogêneo de forças, cujo denominador comum me parece ser o antiimperialismo e a crítica à ordem burguesa numa perspectiva voltada para o futuro, excluindo-se, pois, o anticapitalismo romântico próprio da direita restauradora) expressou, naqueles anos, um efetivo processo de democratização da sociedade brasileira – processo ele mesmo relacionado às mudanças estruturais em curso (consolidação da industrialização substitutiva de importações, urbanização etc.).

Caros Amigos - O que representou o golpe de 64 para a esquerda no Brasil?

Entendo o golpe do 1º de abril conforme a brilhante caracterização de Florestan Fernandes: foi parte de um processo mundial de contra-revolução preventiva. Representou, para as massas trabalhadoras brasileiras, a liquidação de um processo de democratização que certamente conduziria a profundas modificações econômico-sociais, capazes de desobstruir a via para o rompimento da nossa heteronomia econômica. Para a esquerda, foi uma derrota de enormes implicações.

Também entendo que a esquerda laborou em equívocos e cometeu erros que facilitaram o golpe e a instauração da ditadura. Mas, ao contrário de muitos analistas, não debito a derrota de abril aos equívocos e erros da esquerda: o golpe, parte da mencionada contra-revolução preventiva, deve ser explicado pela natureza da dominação de classe exercida no Brasil pela burguesia. Naquele momento, incapaz de ser classe dirigente, ela escolheu, conscientemente, enquanto classe, ser classe dominante – e armou um esquema de alianças, nacionais e internacionais, que lhe possibilitou, durante quase 20 anos, instaurar o que o mesmo Florestan designou como autocracia burguesa.

Caros Amigos - Como avalia as diversas organizações que surgiram no pós-golpe? Por que foram tantas, por que eram tantas correntes? Porque não conseguiram se unir?

A unidade entre as forças reacionárias e/ou conservadoras nunca constituiu um problema de vulto na história política do século 20 – e se compreende a razão: seus interesses econômicos têm fundamentos comuns e estão enraizados no presente. No quadro da esquerda, a unidade é sempre problemática, porque os enlaces se dão mais na prospecção do futuro do que na defesa de interesses materiais imediatos; é problemática, mas possível, como resultado de longos processos de debates, do conhecimento da experiência histórica, de combates prévios travados em comum e, sobretudo, do próprio nível de consciência das massas trabalhadoras, conquistado em suas experiências diretas. Frente a um inimigo comum – como era o caso da ditadura instaurada em 1964 e cujo caráter de classe se explicitou, sem deixar margem a dúvidas, em 1968, com o AI-5 – seria esperável a constituição de uma unidade entre as forças de esquerda. Sabemos que isto não ocorreu. Muitas foram as causas da dispersão de esforços e de combates. Penso que parte delas estava inscrita na análise que as diferentes forças fizeram (ou deixaram de fazer) da natureza do regime instaurado em 1964 e, ainda, das causas que permitiram a vitória das forças de direita. Mas também pesaram as concepções estratégicas quanto à derrota da ditadura, a extração de classe dos resistentes e a conjuntura ideológica da época. Substantivamente, pesou igualmente a ponderação diferente que as várias forças de esquerda (profundamente debilitadas, pela repressão sistemática a que foram submetidas, em sua relação com as massas trabalhadoras) faziam do papel a ser desempenhado por estas mesmas massas.

Caros Amigos - Como a luta de massa se organizou na segunda metade dos anos 70?

Parece-me que estavam na direção mais correta aquelas forças (e este foi, entre outros, o caso do PCB) que entendiam a derrota da ditadura como resultado de lutas de massas. O fracasso do “modelo econômico” da ditadura (evidenciado claramente a partir de 1974-1975), as divisões que começaram a erodir a estreita base política do regime de 1964 e, sobretudo, a até então lenta reinserção da classe operária na cena política criaram as condições para que a resistência democrática deixasse os nichos em que subsistia e ampliasse o seu raio de influência. Frentes de luta até então subestimadas (contra a carestia, pela anistia e mesmo processos eleitorais) ganharam uma ponderação até então insuspeitada para muitos setores da esquerda.

Caros Amigos - Qual foi o papel desempenhado pelo sindicalismo no período pré-democratização?

Aqui, a resposta é simples: foi absolutamente fundamental. Mediante a ação do movimento operário-sindical é que se processou a reinserção das massas trabalhadoras (especificamente do proletariado) na cena política brasileira. Até então, a oposição e a resistência à ditadura tinham uma incontestável hegemonia burguesa (não se deve subestimar o papel do falecido Movimento Democrático Brasileiro/MDB); mediante a ação operário-sindical, que começa a ganhar vulto a partir de 1976-1977, a oposição burguesa é afetada, sua hegemonia na resistência institucional é ameaçada e a erosão do regime se acelera.

Caros Amigos - Qual foi a importância da esquerda no fim da ditadura e na redemocratização do país?

Já assinalei que a reinserção da classe operária na cena política, no último terço da década de 1970, foi o componente central para a derrota da ditadura. Foi através da dinamização do movimento sindical que esta inserção se viabilizou – e teve como efeito a catalização das demandas democráticas numa escala até então inimaginável, arrastando amplos setores das camadas médias, da intelectualidade e até mesmo de segmentos burgueses prejudicados no marco do “modelo econômico”. Não penso que este arco de forças, originalmente, possa ser visto como uma criação da esquerda – embora novos setores de esquerda e antigos militantes, que puderam sobreviver à repressão, tenham tido papel significativo na sua constituição. Mas é indiscutível que, com o quadro novo criado pela movimentação operário-sindical, distintas forças de esquerda, operando em especial a partir do fim do AI-5 e da anistia, deixaram a sua marca no processo de derrota da ditadura.

Caros Amigos - Como avalia o processo de surgimento do PT, da CUT e do MST?

Entendo que o surgimento do PT e da CUT estão diretamente ligados ao que designo como reinserção da classe operária na cena política brasileira – diria que ambos, emergentes nos anos 1980, são um fruto daquele processo. E um processo daquela relevância origina naturalmente, numa sociedade diferenciada e complexa, tal como já se apresentava a nossa na abertura daquela década, distintas expressões políticas. Nas suas origens, embora militando noutra organização política, vi o surgimento de ambos como algo basicamente positivo – porém, sempre tive preocupações em relação ao seu futuro, preocupações referidas à retórica “esquerdista” e sectária (quem não se lembra daquela bobagem eleitoreira de “trabalhador vota em trabalhador”?), às ligações internacionais (especialmente no caso da CUT) e, muito especialmente, à ignorância (nalguns casos, o desprezo) em relação ao passado de lutas dos trabalhadores e das outras forças de esquerda. Mas, à época, debitei tudo isto à necessidade natural de constituir uma identidade partidária e confiei em que a presença de lideranças expressivas de lutas sociais precedentes poderia fazer amadurecer esta identidade num sentido efetivamente de esquerda.

Penso que é diferente o caso do MST. Também fruto das condições que levaram à derrota da ditadura, o MST, a meu juízo, tornou-se um movimento verdadeiramente autônomo, com objetivos muito claros e uma estratégia de luta flexível e que leva em conta a experiência do passado. É bastante provável, em função das aceleradas transformações operadas no campo, que o movimento seja, na atualidade, compelido a repensar-se e a repensar a natureza e a função das suas lutas – mas me parece o único protagonista político significativo que põe em prática algumas referências próprias da esquerda, como a sistemática formação política e a solidariedade internacionalista.

Caros Amigos - O que representaram para a história da esquerda as eleições de 89?

O balanço, feito à distância, do processo eleitoral de 1989 é paradoxal. De uma parte, mostrou a força das aspirações democráticas num momento preciso – o saldo eleitoral, do ponto de vista imediato, foi notável: demonstrou a possibilidade efetiva de derrotar, nos marcos da institucionalidade formal, as forças da direita, desde que se realizasse, ainda que momentaneamente, uma unidade da esquerda e de setores democráticos (recorde-se que tanto os partidos comunistas quanto Covas e Brizola apoiaram Lula no segundo turno). De outra parte, o ganho organizativo, para o conjunto da esquerda, parece-me que foi pouco mais que residual – não teve a menor simetria com o ganho eleitoral.Mas é preciso dizer outra coisa importante: ficou claro que a grande burguesia, em processos eleitorais minimamente democráticos, não tinha, no final dos anos 1980, a menor chance de se viabilizar se apresentasse o seu próprio rosto (Collor nunca passou de um aventureiro político, que não expressava organicamente os interesses do grande capital; foi apenas um instrumento para evitar a vitória de Lula). E a grande burguesia aprendeu a lição: no processo eleitoral seguinte, foi obrigada a usar, para a defesa das suas posições, a maquiagem da esquerda – daí o seu apoio a FHC.

Caros Amigos - Como vê os rumos do PT desde então?

A resposta a esta questão já está implícita linhas acima e, de algum modo, inclui a pergunta subsequente. Os anos 1990 foram de um discreto, aparentemente suave e efetivo deslizamento do PT para o centro – já no primeiro confronto com FHC, desenhava-se o “Lulinha paz e amor”. Ao que parece, no fim da década, a esquerda foi inteiramente neutralizada no interior do PT – isto não significa, a meu juízo, que desde então deixaram de estar presentes no PT militantes de esquerda sérios, responsáveis e confiáveis. Mas tudo indica que são algumas rosas vermelhas num grande campo de braquiária. Posso estar enganado, mas, a partir de 2003, o PT converteu-se no gestor preferencial, para a grande burguesia, deste país. Permita-me recorrer a algo menor, mas que me parece extremamente simbólico: semana passada, a grande imprensa noticiou que o ex-presidente da República fez uma viagem ao exterior num jatinho de empresa do Grupo Gerdau, mantendo agradável palestra com o patriarca da família. Não sei se é fato, mas sei que é emblemático. Emblema de que já tivemos prova, aqui no Rio de Janeiro, há tempos: quando do falecimento de Roberto Marinho, Lula veio ao velório acompanhado de um séquito de ministros; no velório de Brizola, brilhou pela ausência.

Caros Amigos - Quais foram os efeitos da década neoliberal na esquerda brasileira?

Os efeitos – ainda que indiretos, mediatos e que precisam ser relacionados aos impactos derivados da queda do “Muro de Berlim” – foram catastróficos em todo o mundo e não se limitaram, obviamente, ao universo ideológico e ao imaginário político: o preço da ofensiva do grande capital foi e está sendo pago pelas massas trabalhadoras do mundo inteiro.

Sobre a esquerda brasileira, os efeitos foram imediatamente deletérios: o generalizado abandono do ideário socialista e, no limite, a sua conversão numa social-democracia tíbia e tardia. Forças que no passado tiveram expressiva participação na luta contra a ditadura e pela democratização do país converteram-se ou em abertos porta vozes da ordem (o caso do PT é certamente gritante, mas não se esqueça o posicionamento junto com o DEM – com o DEM! – que os ex-comunistas do PPS hoje efetivam) ou abdicaram do seu programa e da sua autonomia na prática política (o caso do PCdoB). Evidentemente, estamos defrontados com um processo social profundo, que não pode ser creditado a personalidades ou a oportunismos de ocasião. De qualquer forma, impera na esquerda “reciclada” pela ideologia dessa coisa realmente reacionária que grosseiramente se chama neoliberalismo um cinismo assombroso: ex-guerrilheiros que se tornaram paladinos da “cidadania”, ex-líderes sindicais outrora extremamente radicais defendendo/teorizando os/sobre a importância econômica e democrática de fundos de pensão, ex-expoentes de partidos comunistas predicando que a questão central sob o capitalismo está na distribuição e não no modo de produção e coisas que tais.

Caros Amigos - O que representou a eleição de Lula em 2002 para a esquerda brasileira? Como avalia desde então as forças de esquerda no país?

Do ponto de vista político imediato, o resultado eleitoral de 2002 foi uma derrota da direita e dos conservadores, uma derrota do grande capital. Do ponto de vista simbólico, foi extremamente importante a vitória de um líder político de extração operária.

Mas uma coisa foi a vitória eleitoral e outra, muito diversa, o desempenho político: a enorme legitimidade que as urnas conferiram a Lula para empreender a caminhada no sentido das grandes transformações econômicas e sociais foi direcionada para outro rumo – à base da reiteração do fisiologismo político, a adequação do minimalismo da política social à orientação macro-econômica de interesse do grande capital. Lula realizou uma eficiente gestão do status quo.

Que fique claro que estou longe de equalizar Lula (e tudo o que ele representa e expressa) a um líder submisso à direita e aos conservadores ou um mero instrumento do grande capital – mas seus dois períodos presidenciais estiveram aquém, inclusive, de uma prática política “possibilista”. E seu principal papel, no que tange à esquerda, foi desqualificá-la como capaz sequer de um governo “diferente” – e não será fácil, para a esquerda, livrar-se desta herança.

Caros Amigos - Por fim, como o senhor avalia o atual momento da esquerda brasileira?

Penso que se trata de uma conjuntura extremamente difícil (e, insisto, trata-se de um quadro mundial, que não diz respeito somente ao Brasil). O espectro da esquerda orgânica (bastante diferenciada: PCB, Psol, PSTU) e da esquerda que ainda subsiste no interior de alguns partidos (nomeadamente no PT) não reflete minimamente o peso potencial, mesmo que hoje minoritário, da esquerda na sociedade brasileira (como se pode constatar em movimentos como o MST e em grupos políticos minúsculos, mas que podem ser expressivos futuramente). Como escrevi há algum tempo, o nosso déficit é organizacional e ele não será superado da noite para o dia – temos, a esquerda, um longo caminho a percorrer.

A longo prazo (por mais que esta expressão provoque um sorriso nos keynesianos), sou otimista. As contradições e impasses da ordem do capital, inclusive como se apresentam na periferia, são insolúveis no seu marco – não há Bolsa Família, mesmo ampliado, que os resolva. As tensões acumuladas na nossa formação social não podem ser anestesiadas sem limites. Tenho, para mim, que está e continua em curso um processo de fundo que implicará numa agudização das lutas de classes. Se a normalidade da democracia formal não sofrer interrupção, a esquerda poderá perfeitamente superar a sua debilidade organizacional – desde que trabalhemos forte já desde agora – e cumprir o que dela se espera: vencer a cronificação da barbárie pelo avanço na direção do horizonte socialista.

José Paulo Netto é professor emérito da UFRJ e professor da Escola Nacional Florestan Fernandes.